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ILHA NA RUA DOS BURGÃES

Desde meados do século XVIII que existem registos de ilhas na cidade do Porto, mas foi no século XIX, com a industrialização, que o fenómeno se intensificou. A crescente necessidade de mão-de-obra atraiu um elevado número de pessoas para a cidade, gerando uma forte pressão sobre a habitação.

Como resposta, surgiram as chamadas ilhas: construções informais, compostas por pequenas casas (entre 16 m² e 25 m²), implantadas nos longos e estreitos logradouros das traseiras dos edifícios. Alinhadas ao longo dos profundos terrenos, estas habitações partilhavam um estreito corredor de acesso à rua, com entrada por uma única porta do prédio principal.

Apesar da degradação de muitas ilhas, este modelo urbano mantém um forte carácter identitário na cidade. Estima-se que ainda existam cerca de mil ilhas no Porto. Nos últimos anos, a pressão do mercado turístico e a escassa proteção legal face ao despejo de moradores permanentes têm transformado estes espaços em alvo de reabilitação e reocupação, frequentemente desligadas das suas comunidades originais. Torna-se, por isso, essencial encontrar um equilíbrio entre a preservação do património e a continuidade da vida quotidiana dos que habitam e fazem a cidade.

Foi neste contexto que a Impare Arquitectura aceitou o desafio de recuperar uma ilha localizada na Rua dos Burgães, então em avançado estado de degradação e praticamente devoluta. A ilha distingue-se por um elemento invulgar: em vez do típico corredor estreito, as casas organizam-se em torno de um pátio amplo e central.

Originalmente composta por 10 casas (nove delas térreas com um piso sobreelevado), esta ilha data, pelo menos, de 1892, aparecendo registada na planta de Telles Ferreira. A entrada fazia-se, na época, pelos fundos de um terreno de gaveto com frente para a Rua de Serpa Pinto, junto à Capela da Ramada Alta. A entrada atual, pela Rua dos Burgães, surge após a construção, nos anos 1940, de uma nova casa de dois pisos — a única da ilha com essa configuração — sem uma casa principal que a articule diretamente com a rua.

Durante a fase de levantamento, verificou-se que a maioria das casas se encontrava em péssimo estado. A solução adotada passou por uma renovação integral dos interiores, mantendo a organização espacial original: zona social com apoio de cozinha e sanitário no piso térreo, e zona de dormir em mezanino, agora mais qualificada. Nas casas com frente para o pátio e para a rua, foi possível integrar uma segunda zona de dormir no rés-do-chão. Uma das casas foi adaptada a pessoas com mobilidade condicionada.

Na casa de dois pisos, que se encontra em melhores condições estruturais, será feita uma reabilitação cuidada, preservando os elementos construtivos originais, como a escada e estrutura de madeira, paredes de tabique, portas, guarnições e corrimãos.

O pátio comum será igualmente intervencionado: serão removidas construções precárias, aplicado novo pavimento pigmentado e criadas caldeiras para vegetação rasteira e trepadeira, esta última apoiada numa estrutura pergulada. Bancos em pedra (ou eventualmente betão) ajudarão a organizar zonas de estar partilhadas, associadas a cada casa.

A obra iniciou-se com a conclusão de uma primeira casa, permitindo testar e refinar soluções antes de avançar para as restantes. Uma abordagem em processo, aberta à experimentação e ao contributo contínuo.

No escritório, devido ao tom escolhido para os rebocos e pavimentos, chamámos-lhe, informalmente, Ilha Amarela — nome provisório para um lugar com parte da sua história por reencontrar.

  • Arquitetura: Paulo Seco
  • Colaboração: Filipe Lourenço
  • Localização: Porto
  • Projeto: 2018
  • Construção: 2019

  • Imagem: ITS Ivo Tavares Studio

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